Dia do Trabalhador: motoristas de aplicativo vivem em escravidão digital, diz advogada

Ana Clara Neves,  Danyelle Silva, Isabele Azenha e Marina Moroni
(Jornal de Brasília / Agência de Notícias CEUB)

O acidente com o ex-BBB Rodrigo Mussi, 31 de março, trouxe à tona questionamentos sobre as condições de trabalho dos motoristas de aplicativos. Kaique Reis, que na ocasião trabalhava para a empresa 99, relatou que o acidente aconteceu porque dormiu ao volante depois de uma longa jornada de trabalho. Nas ruas do Brasil e claro, do Distrito Federal, trabalhadores reclamam que as condições de serviço são precárias e assustadoras. Para a advogada trabalhista Larissa Rodrigues, a situação é de escravidão digital.

As principais queixas relatadas por motoristas ouvidos pela Agência Ceub (na condição de anonimato) são as porcentagens que os aplicativos de transporte cobram em cada corrida.

“O aplicativo cobra, na teoria, 25% de taxa de cada corrida. Mas, dependendo da corrida pode chegar até 30% do valor. Acaba que ela tem um ganho equiparado ao meu. Isso dificulta que tenhamos um lucro maior”, disse um motorista da Uber de 24 anos de idade, que roda tanto nas regiões administrativas do Distrito Federal quanto no Entorno.

A falta de segurança é algo recorrente, e devido à falta de suporte oferecido pela empresa, os próprios motoristas tomaram a iniciativa de criar seus meios de segurança.

Quando se veem em uma possível corrida de risco, como em horários noturnos (madrugada) e por bairros que consideram perigosos, os motoristas compartilham suas viagens em grupos de mensagens com outros da região. “As empresas de aplicativos precisam da gente. Se for parar para analisar, tem muitos motoristas no Brasil. Nós somos a mão de obra e as empresas não dão o devido valor para a gente”, afirmou o motorista.

De acordo com a pesquisa do Instituto DataFolha em 2020, a pedido da empresa Uber, 39% da população do Distrito Federal viu como fuga do desemprego os serviços de transportes por aplicativo e 41% tendo em mente como uma fonte de renda extra.

Direitos

Por serem considerados prestadores de serviços autônomos, motoristas de aplicativo não têm nenhuma proteção garantida pela legislação trabalhista.

De acordo com a advogada trabalhista, Larissa Rodrigues, em caso de acidente com o motorista ou o passageiro, os aplicativos no geral, oferecem algum tipo de seguro contra acidentes graves, tanto com o motorista quanto com o passageiro. Porém, não é uma obrigatoriedade.

Um motorista que preferiu não ser identificado, citou que a Uber permite que o motorista trabalhe por até 12 horas seguidas.

Entretanto, devido às circunstâncias de crise econômica brasileira esse limite de horas se torna mínimo, muitos motoristas baixam outros aplicativos semelhantes para poderem trabalhar mesmo após ultrapassarem o limite de horas, com o objetivo de complementar sua renda diária.

De acordo com essa regra, o motorista só pode voltar a trabalhar depois de passar 6 horas sem acessar o aplicativo. Apesar dessa restrição, os motoristas continuam sem direito a intervalos e férias.

Sempre que ficam sem trabalhar, seja por motivos de saúde, ou por férias, os motoristas ficam sem ganhar dinheiro e não possuem apoio da empresa.

“No caso dos motoristas de aplicativo, eles não têm nenhuma proteção garantida pela legislação trabalhista”, afirmou a advogada. Ela explica que os aplicativos de transportes não possuem a obrigação de conceder férias nem apoio se houver a necessidade de retirar uma licença médica.

Apesar de não ser obrigatório, o motorista pode se vincular ao MEI (Microempreendedor Individual) e, nesse caso, é possível requerer no INSS o auxílio.

Escravidão digital

Tendo em vista a quantidade de horas trabalhadas e o retorno financeiro por corrida, {especialistas atribuem essas condições de trabalho como uma forma de “escravidão digital”. Tal fenômeno tem se tornado cada vez mais comum nos dias de hoje e consiste na “uberização” e no trabalho plataformizado, segundo a advogada.

A partir do momento que esse trabalho torna-se a única fonte de renda do motorista, as jornadas exaustivas de trabalho, com o intuito de viver dignamente, podem afetar a saúde do trabalhador e nem sempre geram o lucro esperado.

Segundo uma motorista de 44 anos, a Uber não fornece uma garantia de segurança, e a 99 exige a utilização de câmeras que devem ser compradas pelo próprio trabalhador. “Opto por dirigir apenas passageiras mulheres por segurança. Isso diminui a procura”, afirma.

Sem respostas

A equipe de reportagem enviou perguntas para as empresas de aplicativos sobre quais são os suportes que a empresa oferece aos motoristas, qual a carga horária máxima que um motorista pode realizar, qual apoio que a empresa oferece ao motorista, qual a taxa máxima que o aplicativo pode cobrar do valor de cada corrida e qual o número de acidentes com motoristas que trabalham com a empresa.

A assessoria de comunicação da Uber não respondeu a esses questionamentos e se limitou a afirmar que não tinha como se certificar que trabalhadores entrevistados são vinculados à empresa. A empresa 99 não retornou após as perguntas da reportagem.