Menos beijos e abraços, familiares contracenando juntos, pouquíssimos figurantes e produções gravadas em uma só locação. Essas são algumas das situações que podem se tornar regra em filmes e séries feitos durante a fase de transição entre a pandemia do coronavírus e um eventual retorno à normalidade.
Com mais de três meses de quarentena passados no Brasil, entidades e produtoras do audiovisual já discutem um retorno de gravações de séries e filmes roteirizados. Assim como já aconteceu em outros países, um protocolo de segurança e saúde no trabalho audiovisual foi lançado no último dia 12. No exterior, séries como “The Witcher”, gravada no Reino Unido, a italiana “Suburra”, ambas da Netflix, e a francesa “Voltaire, Mixte”, da Amazon Prime Video, já anunciaram que vão retomar suas atividades.
O protocolo brasileiro foi elaborado pela Associação Brasileira de Produção de Obras Audiovisuais (Apro), pelo Sindicato da Indústria Audiovisual do Estado de São Paulo (Siaesp) e pelo Sindcine, Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Cinematográfica e do Audiovisual dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins e Distrito Federal.
O documento prevê uma transição em três fases. Na intermediária, de flexibilização, gravações em sets passam a ser permitidas conforme regras e condutas específicas que incluem distanciamento mínimo de 1,5 metro, pausas regulares para higienização da equipe e redução de deslocamentos.
O protocolo ainda dá orientações sobre como devem ser feitos os roteiros durante este período: beijos, abraços e demais contatos físicos devem ser evitados, assim como a presença de muitos personagens em uma cena só ou em locais pequenos e sem ventilação. Também se aconselha a contratação de famílias reais para o elenco.
Presidente da Apro, Marianna Souza espera que o protocolo permita a retomada de gravações já em julho, apesar dos números de infecção do coronavírus não darem trégua no Brasil. Até às 13h de domingo (28), o número de casos confirmados de Covid-19 no país chegava a 1.323.069, com 57.174 mortes, segundo o boletim do consórcio de veículos de imprensa.
— Estamos numa situação insustentável, ninguém conseguiu ter acesso a empréstimo do governo — diz Souza sobre a necessidade de retornar. — Seguramos até onde conseguimos, mas agora os produtores têm que voltar a trabalhar, seja por uma questão de recursos, seja para não termos esvaziamento nas grades de programação.
Para ela, os atores são o elo mais frágil dessa retomada, já que o contato físico é parte intrínseca da profissão.
— Há experiências lá fora em que a atriz beija uma laranja e a colagem disso é feita em pós-produção. Beijos e abraços que terão de ser reinventados. O que a gente vai rodar agora não vai ser o que a gente estava acostumado a ver— completa a presidente da Apro.
Roteiros adaptados
Sócia e diretora executiva da O2 Filmes, Andrea Barata Ribeiro não prevê um retorno dos projetos de entretenimento da produtora até, no mínimo, outubro. Na televisão, a O2 está por trás de séries recentes como “Segunda Chamada”, em parceria com a Globo, e “Pico da Neblina”, da HBO.
— Esse retorno em outubro ou novembro será apenas no caso de projetos menores, que conseguimos simplificar — explica Andrea. — Tem coisas que se a pandemia não passar, não dá para fazer. Tivemos um projeto que conseguimos até adaptar o roteiro, mas se perdia tanto das cenas de ação que não valia a pena.
Por enquanto, a O2 tem gravado apenas comerciais, em ambientes restritos, com uma equipe reduzida mantendo distanciamento físico.
Responsável por séries como “Reality Z”, da Netflix, e a inédita “Dom”, da Amazon Prime Video, a Conspiração segue funcionando remotamente.
— Estamos estudando filmar dois episódios de uma série de ficção em agosto, já que o conteúdo permite que a gente faça isso com o máximo de segurança. — afirma a CEO da Conspiração, Renata Brandão. — No mais, há projetos em desenvolvimento que poderão ser filmados no futuro. Temos seis salas de roteiro acontecendo simultaneamente — diz a executiva, que prevê para o segundo semestre e nos primeiros meses de 2021 um aumento na já crescente demanda por conteúdos mais fáceis de produzir remotamente, como reality shows e não-ficção.
Masterchef de volta
Na Globo, também foi criado um próprio protocolo de segurança para a retomada, que avança aos poucos.
“Nas últimas semanas, temos compartilhado essas experiências e aprendizados e sobretudo o nosso Protocolo de Segurança com todas as equipes. E assim vamos avançando, até que o desdobramento da pandemia nos dê condições de confirmar próximos passos, datas e previsões”, destacou a comunicação da Globo em nota.
Na Band, o reality show MasterChef, uma das atrações mais populares da emissora, teve gravações retomadas em 16 de junho, dentro das normas globais aplicadas pelo grupo pela Endemol Shine, que licencia o formato e já o retomou na Austrália e na Espanha. Observando o distanciamento social, as bancadas dos competidores agora são separadas por 1,5 metro de distância, e um carrinho leva aos jurados os pratos criados pelos participantes.
Para o professor de Medicina da UFRJ Edimilson Migowski, que tem atuado na retomada de atividades em ambientes de trabalho, é possível fazer gravações agora, desde que sejam tomadas todas as medidas de prevenção cabíveis, e mediante o acompanhamento de uma equipe médica e multidisciplinar.
— Não vejo problema, desde que todo passo a passo de proteção seja feito, como fazer testes na equipe, afastar pessoas enfermas e, na medida do possível, juntar equipes que já tenham tido a enfermidade. É preciso atuar pela segurança real e também pela sensação de segurança, já que, se os atores não se sentirem seguros, não vão conseguir performar bem — considera.