Investimento cai e universalização do saneamento deve atrasar três décadas

Prevista pelo governo federal para ocorrer em 2033, a universalização do saneamento básico – um direito fundamental – deve atrasar por pelo menos três décadas, segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI). Essa estimativa leva em conta o ritmo de investimentos na área, que vêm caindo nos últimos anos.

No Brasil, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), apenas 83,6% dos brasileiros são abastecidos por rede de água e 53,2% têm o esgoto coletado (mas somente 46%, tratado). Em números absolutos, são 34 milhões de pessoas que vivem sem água e quase 100 milhões sem esgoto em todo o país.

Pelo plano Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização Mundial de Saúde (ONU), a universalização do serviço deveria ocorrer até 2030. Entretanto, o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) — feito em 2013 e atualizado em 2018 — só prevê isso em 2033. Mas, segundo a CNI, nenhuma dessas datas deve ser alcançada.

O SNIS indica que houve uma queda nos investimentos entre 2015 e 2017. No último ano desse período, foram gastos R$ 11,8 bilhões — o menor valor em dez anos. Em 2018, esse valor subiu e alcançou R$ 13,6 bilhões, mas ainda abaixo de valores como em 2014, quando houve o maior investimento da década: R$ 16,3 bilhões. Todos os valores estão corrigidos para maio de 2020 pelo IPCA. Os dados de 2019 ainda não foram divulgados.

E, com essas quedas, a confederação das indústrias prevê que o acesso universal deve ficar para a década de 2060.

A estimativa de gastos para se alcançar a meta de universalização do saneamento, de acordo com o MDR (Ministério do Desenvolvimento Regional), é de “aproximadamente R$ 598 bilhões, entre recursos federais e de outros agentes”.

Acompanhamento
A meta da ONU pede que, até 2030, o país alcance o acesso universal à água potável, segura e acessível para todos. O cumprimento do plano ODS (ao todo, são 17 metas para “mudar o mundo”) é acompanhado no Brasil pelo Grupo de Trabalho da Agenda 2030, formado por entidades civis. Esse grupo produz anualmente um relatório sobre os projetos que levam ao alcance das metas.

Segundo Guilherme Checco, coordenador de pesquisa do Instituto Democracia e Sustentabilidade e que integra o grupo de trabalho referente ao saneamento, o investimento em água e esgoto vem diminuindo de forma progressiva e o novo marco legal aprovado no Senado não deve mudar esse cenário.

“Uma importante reflexão no debate sobre o novo marco legal é que haverá uma maior participação dos operadores privados. Ok, isso é bem-vindo; mas não pode mascarar — como vem ocorrendo — o papel central dos investimentos públicos. Aumentar a possibilidade dos recursos privados não vai resolver o problema do país nesse setor. É preciso delegar para que todos façam esses investimentos, e precisamos de um debate sério sobre o papel do investimento público até alcançar essa meta”, afirma.

Para Checco, é necessário que o planejamento leve em conta fatores como o crescimento populacional, o processo de aceleração da urbanização e as mudanças climáticas. “Essas mudanças, por exemplo, alteram o ciclo hidrológico, operam alterações em chuvas”, pontua.

O novo marco legal, de acordo com o coordenador, é um ponto histórico, mas falha porque “repete o modelo que vem operando desde a década de 1960”. “É um modelo bastante predatório. Ele opera do cano para frente, da captação para frente. Tudo para trás ele não considera. E assim ele traz água cada vez mais de longe. O marco ignora também os fatores socioambientais no debate de agora”, afirma.

Para ele, o que falta é tratar o acesso à água e ao esgoto como direito humano. “Na prática, significa que o estado — os países, no caso — têm obrigação de fazer com que essas condições ocorram de forma progressiva. Todo ano tem de melhorar um pouquinho. A situação do Brasil é drástica, não estamos avançando em um ritmo desejado. Alguns estados estão estagnados ano a ano, a melhoria é muito lenta. Essa política impacta na qualidade da vida das pessoas, e é um impacto muito direto. A gente já vem afirmando que o Brasil está muito aquém do necessário”, afirma.

Previsão do governo
Ao UOL, o MDR disse que a versão mais recente do Plansab também atualizou a necessidade de investimentos para a universalização do saneamento. Uma nova revisão quadrienal do plano está prevista para 2022 — “ocasião em que o Governo Federal deve ajustar o planejamento em face do novo cenário”, diz a nota enviada pelo ministério.

O MDR afirma que o plano prevê a “ampliação gradual do acesso aos serviços de saneamento básico em seus quatro componentes (abastecimento de água, esgotamento sanitário, manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo das águas pluviais urbanas)”. “Nesse intuito, o plano contém previsão da necessidade de investimentos, além de diretrizes, estratégias e programas com as ações a serem empreendidas para o alcance das metas estabelecidas. No referido cenário de planejamento, que considerou o contexto político-econômico-institucional do país, foram previstos significativos avanços do acesso. Porém, nem todos os componentes devem ser universalizados em todas as macrorregiões do país”, informa a pasta.

Apesar disso, o ministério ainda coloca a previsão da universalização até 2033, para serviços como o abastecimento de água nos domicílios urbanos, a coleta direta ou indireta de resíduos sólidos nas cidades e o encerramento de lixões e “vazadouros a céu aberto”, que recebem os resíduos de maneira inadequada.

A nota do MDR não informa o valor que será gasto em saneamento este ano.