As medidas de auxílio a empresas chegaram ao fim, mas a pandemia, não. Após meses de baixa na inadimplência como resultado de acesso a crédito e diferimento de impostos, as empresas começam a receber a fatura da crise em um ambiente econômico ainda afetado pelo coronavírus.
A expectativa dos economistas é que as dívidas em atraso ou débitos em aberto cresçam mais entre micro e pequenas empresas, principalmente nos segmentos de comércio e serviços, que dependem mais da movimentação de pessoas.
Pesquisa do Sebrae mostra que, em novembro, 68% dos pequenos negócios no país tinham dívidas em aberto ou contas em atraso. Os débitos incluem contas com bancos, impostos e taxas, aluguel, fornecedores de matéria-prima e serviços.
— A conta começa a bater na porta das empresas e muitas não estarão preparadas para assumir a dívida, porque serviços e comércio ainda estão se recuperando. O problema é que não tem nenhum programa de crédito ativo, e as incertezas daqui para frente causarão temor e devem diminuir a oferta de crédito nos bancos. Com isso, o empresário perde capacidade de pagamento — afirma Guilherme Reche, analista do Sebrae Rio.
A taxa de inadimplência geral, considerando todos os portes de empresas, passou de 3% em 2019 para 2,3% no ano passado. Segundo Luiz Rabi, economista-chefe da Serasa Experian, a inadimplência caiu de forma geral durante a pandemia, inclusive para pessoas físicas.
Isso aconteceu em razão de medidas como o pagamento do auxílio emergencial, criado para ajudar os informais a atravessarem a crise, a taxa básica de juros na mínima histórica e outras medidas de estímulo. Agora, porém, a expectativa é de alta a partir de fevereiro:
— Tudo aquilo que ajudou a reduzir a inadimplência no ano passado vai ser descontinuado e é provável que ela volte a subir.
O economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, espera que a inadimplência chegue ao dobro da registrada no ano passado e recomenda que as empresas busquem renegociar:
— A lógica das empresas é a mesma de uma casa. O ideal é tentar negociar a curto prazo toda dívida que puder. Mas, se está entrando menos recursos, tem que pagar o essencial e escolher o que adiar.
Aumento de casos de Covid
Levantamento feito pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) mostra que entre 24 de dezembro e 4 de janeiro, 57% dos estabelecimentos não conseguiram pagar em dia despesas com impostos, aluguel, salários e fornecedores. Entre eles, 63% estão em atraso com o Simples Nacional.
O aumento de casos de Covid-19 já afeta os negócios. Apenas 19% estão funcionando como bufê, enquanto 76% estão com salão aberto e outros 16% atuam apenas com delivery ou retirada no local.
Paulo Solmucci, presidente da Abrasel, afirma que o setor caminha para a “insolvência” e defende um programa de refinanciamento do Simples Nacional.
— Falta os governos terem sensibilidade de que as coisas pioraram e pioraram muito. Outra situação que preocupa os donos de bares e restaurantes é a manutenção dos empregos.
O endividamento também é fator de preocupação para o setor. Apesar de 84% dos empresários de bares e restaurantes afirmarem que estão em dia com o pagamento de empréstimos, 64% fizeram novas dívidas para manter o negócio.
Segundo Solmucci, muitos ainda se encontram no período de carência de empréstimos contraídos no ano passado, mas o benefício deve acabar no começo do ano. Mais da metade deles (53%) estimam que vão precisar de mais de um ano para que as dívidas voltem a um patamar aceitável.
‘A conta não fecha’
O empresário Anselmo Guimarães tenta equilibrar os empréstimos feitos antes da pandemia, o financiamento do imóvel onde montou seu restaurante, o fluxo baixo de clientes e a alta de preços dos alimentos.
O Bistrô das Artes fica no Centro e costumava receber uma média de 200 clientes no salão e 50 quentinhas por dia. Com a pandemia, a adoção do home office e o esvaziamento do centro da cidade, o cenário mudou:
— A conta não fecha. Não consegui empréstimo bancário ano passado e o único recurso que usei foi a redução da jornada. Já tinha pendências financeiras com bancos e isso piorou muito com a pandemia. Vou pagando conforme der. Hoje, estamos no modo sobrevivência. Não tenho muito o que fazer.
Já o empresário Francisco Muanis tinha quatro pizzarias no início da pandemia. Fechou uma delas e suspendeu o negócio em outra até o fim do ano passado. Ele conseguiu dois empréstimos pelo Pronampe, programa de crédito lançado durante a crise e encerrado no fim do ano passado, e a primeira parcela começa a ser paga em maio. E enfrenta outras dívidas:
— Precisamos de ajuda para manter os empregos. Agora está mais complicado porque não temos mais as flexibilizações e ajuda que tínhamos no início.
Para especialistas, a melhora do cenário para as pequenas empresas vai depender da retomada do mercado de trabalho. Mais gente trabalhando significa mais renda para consumo e mais faturamento para as empresas.
— O ponto é que o mercado de trabalho precisa evoluir, mas ainda há muitas incertezas, como o tempo necessário para vacinação, o tempo de resposta à imunização, a segunda dose, entre outros aspectos — resumiu Imaizumi, da LCA.