No dia 25 de julho comemoramos o Dia Nacional de Tereza Benguela, heroica rainha do Quilombo Quariterê/MG e Dia Internacional da Mulher Negra, Afro latino-americana e Caribenha. Essa é uma data importantíssima para o Movimento Negro e para a construção das políticas de igualdade racial e equidade de gênero. Foram entrevistadas mulheres de diversas regiões e com propriedade falaram de seus enfrentamentos em nichos diferentes de trabalhos e vivência:
Podemos dizer que 2018 foi um ano violento para a mulher negra politizada, com o fato da morte de Marielle Franco. Dois anos após esse fato, Márcia relata as melhorias no cenário político em relação às mulheres negras parlamentares, bem como a importância da equidade nestes espaços:
Acredito que a morte da vereadora Marielle Franco foi algo realmente para mexer com o povo, porém, as mulheres negras são assassinadas cotidianamente nas esferas sócio-político-cultural. Ainda temos muito a avançar, mas com o acontecimento, entendemos que é urgente ocuparmos lugares de poder no que tange, principalmente, o parlamento.
Atualmente mulheres – em especial – negras, estão conquistando e exigindo seu lugar e respeito perante a sociedade. Mesmo sendo um direito constitucional é triste saber que esse respeito veio após uma tragédia em nosso estado. Lutamos por equidade de gênero e raça, mas precisamos de avanços, pois ainda vivemos em um país machista, sexista e que não entende que a mulher tem muito a agregar e contribuir com nossas políticas. Infelizmente as mulheres negras ainda não são bem quistas e nem bem vistas em alguns setores, seus salários são menores e suas ideias nem sempre são aceitas e – quando o fazem – colocam algo nem que seja uma vírgula para dizer que não foi nossa a ideia para o referido assunto.
Acredito ainda que o estudo é a porta para qualquer cidadão, porém, no caso do cidadão negro em especial a mulher negra é imprescindível. Passamos por provas e preconceitos diários, (explorações sexuais, psicológicos e feminicídios), mesmo sabendo que temos a agregar e compreendendo que somos detentoras de vários saberes. Mas acho que estamos avançando e chegaremos a onde temos que chegar. Mulher negra é sinônima de respeito, raça, força, vitória e luta. “Ninguém larga a mão de ninguém e uma sobe e puxa a outra.”
Márcia Moura
Mulher Negra, de matriz africana, sambista, lésbica e advogada.
Sobre a importância da participação das mulheres negras na construção das Políticas Públicas e nas Políticas Públicas Culturais no município de Valparaíso de Goiás, Angélica, diz o seguinte:
Somos a maior parte da população de mulheres no Brasil e em Valparaíso, as mulheres negras possuem cultura e bagagem de acolhimento e gestão de suas comunidades e famílias, assim detém informações primordiais para a construção de políticas públicas para o nosso município e principalmente influência de mudança. Uma vez que nossos papéis são negligenciados a maior parte da população é esquecida.
Angélica Diano
Mulher Negra de Asé, Mãe, Conselheira Municipal de Cultura do segmento Afro – Brasileiro e Culturas Tradicionais e ex- presidente do CMC-Valparaiso.
Em complemento, a Profª Daniela Scalabrini relata a dificuldade vivida:
Estamos sempre buscando o nosso espaço, apesar da população brasileira ser formada por maioria negra e por mulheres negras, temos sempre que lutar para o mundo não nos arrastar. Nossa cultura é riquíssima, porém não é bem vista pela cultura clássica dos brancos, inclusive mulheres negras quando querem fazer parte da Cultura de elite, não são bem vistas, já sofri isso na pele.
Daniela Scalabrini
Mulher Negra e Professora de Dança
Ex-Conselheira Municipal de Cultura
No que diz respeito às perspectivas das LGBTQIA+ negras e pobres sobre os conflitos raciais dentro dos espaços sociais no município de Valparaíso, a arte educadora do município, Tonhão Nunes contribui com seu relato:
Infelizmente com a falta de interesse pela informação, conservadorismo e racismo, tanto estrutural quanto proposital, faz com que os espaços se tornem opressores, principalmente aqueles que são majoritariamente brancos e cisheteronormativos. Somos tantas, somos tão diversas e plurais nas nossas expressões e vivências. A periferia ensina muito, assim como também machuca. Desejo entrar em um estabelecimento ou ocupar um espaço público sem ser questionada pela minha roupa ou pela minha cor – minha identidade – eu existo. Se já é intensa essa luta por buscar explicação para mim mesma, quiçá ter que dar explicações para terceiros que não se permitem compreender. A perspectiva é viver, andar, correr, estar, ir e voltar, sem negligência, sem deslegitimarem nossa existência, a nossa identidade. Há uma grande diferença entre igualdade e equidade.
Tonhão Nunes
Cantora/Compositore/ Não-Binare Prete
Atriz Peformer/Arte-Educadore
Perguntamos para Aline como enxerga a trajetória da mulher negra na formação educacional, diante da discriminação racial e sexismo:
É um tema bastante complexo para a população negra, e para a mulher negra é ainda mais desafiador. Infelizmente nos deparamos em uma estrutura racista onde não temos referências dentro da academia. Nossas histórias e referências bibliográficas tornam toda a trajetória bastante opressiva. Sabemos que num passado próximo nos foi ensinado uma história, ciência e geografia totalmente desenvolvida pela ótica hegemônica e atualmente são poucos, (diante do percentual de negros e negras brasileiros e na diáspora), porém, importantes estudiosos negros que tratam sobre as nossas questões e conforme o empoderamento do resgate, a memória e identidade da nossa população começamos entender vários contextos em nosso lugar de poder no mundo. Por entendermos que a história de não negros foi construída em cima da nossa história, ocultando nossos saberes tradicionais como forma de escravização e anulação, hoje a população acadêmica negra não aceita lidar com demais referências.
Acredito ainda que nós mulheres negras devemos ocupar todos os espaços da educação como ferramenta transformadora do nosso povo, mas a partir de uma perspectiva afrocentrada para compreensão de quanto foi e ainda é violento o processo no Brasil, quanto à participação da mulher negra nos espaços acadêmicos e na sociedade como um todo. Infelizmente o saber está atrelado à figura do homem branco e por isso temos um dever político-sócio-cultural de participar das mais diversas estruturas para subvertermos essa lógica discriminatória, sexista e construir a nossa própria história.
Aline Karine
Bacharel em Turismo
Mestra em Preservação do Patrimônio Cultural
Por Luanda Gabriela – Diretora de Cultura e Aline Freitas – Gerente de Promoção da Cultura – SMCE
Postado pela Assessoria de Comunicação do Governo da cidade de Valparaíso