No apagar das luzes de 2020, o noticiário político brasileiro não para. Na última quarta-feira (9), o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) decidiu demitir o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.
Falando com apoiadores na área externa do Palácio da Alvorada, o presidente afirmou de tarde que o novo ministro seria o atual presidente da Embratur (Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo), Gilson Machado, mais conhecido pelas suas performances tocando sanfona nas transmissões de vídeo ao vivo realizadas semanalmente por Bolsonaro no Facebook.
O estopim para a demissão de Álvaro Antônio teria sido uma mensagem publicada pelo titular do Turismo em um grupo de WhatsApp, dirigida ao ministro Luiz Eduardo Ramos, chefe da Secretaria de Governo.
Segundo a emissora CNN Brasil, na mensagem, Álvaro Antônio teria chamado Ramos de “traíra” e dito que o general esconde de Bolsonaro o “altíssimo preço” que o governo tem pago por “aprovações insignificantes” no Congresso.
“Tá sabendo do Gilson? Ministro…”, perguntou a um apoiador no Alvorada. “Gilson é um cara muito competente nessa área, o outro tá fazendo um bom trabalho também, mas… (deu) problema aí.”
Entretanto, pressões pela saída de Álvaro Antônio datam de muito antes.
Escândalo de laranjas do PSL
Em fevereiro de 2019, mês seguinte à posse de Bolsonaro, o ministro foi apontado como patrocinador de um esquema de candidaturas de laranjas dentro do PSL, então partido do presidente.
Reportagem da Folha de S. Paulo revelou, à época, que a sigla teria lançado candidatas falsas em Pernambuco e em Minas Gerais, para fingir que cumpria a regra de destinar ao menos 30% do dinheiro do Fundo Eleitoral para mulheres. O dinheiro de origem pública seria depois direcionado de volta aos caciques da legenda nesses Estados.
Presidente do PSL em Minas Gerais e deputado federal mais votado no Estado, Álvaro Antônio tinha o poder de decidir quais candidaturas seriam lançadas. Segundo a Folha, quatro candidatas teriam recebido R$ 279 mil da verba pública de campanha da legenda, ficando entre as 20 candidatas que mais receberam dinheiro do partido no país inteiro.
Desse montante, pelo menos R$ 85 mil teriam sido destinados a quatro empresas de assessores, parentes ou sócios de assessores do então ministro de Bolsonaro. Juntas, as candidatas somaram apenas cerca de 2 mil votos, apesar do montante recebido para a campanha.
O escândalo resultou na queda do ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência Gustavo Bebianno, que presidiu o PSL interinamente durante as eleições de 2018, e era o responsável formal pela distribuição de verbas públicas aos candidatos do PSL nos estados durante a eleição.
Em outubro de 2019, a Polícia Federal indiciou Álvaro Antônio sob suspeita de envolvimento no esquema de laranjas.
De deputado do ‘baixo clero’ a ministro de Estado
Mas quem é Marcelo Álvaro Antônio e como ele chegou ao primeiro escalão do governo Bolsonaro?
“Quando o Bolsonaro disse que ia se candidatar (em 2017), e depois migrou para o PSL, o Marcelo identificou que tinha potencial de capitalizar (politicamente, com a candidatura presidencial). Em Minas, era muito forte esse sentimento (pró-Bolsonaro), ainda mais pelo momento ruim que o Estado vivia”, disse em fevereiro de 2019 um deputado federal de Minas Gerais, sob condição de anonimato.
A aposta de Álvaro Antônio deu certo. Em 2014, ele teve 60,3 mil votos pelo nanico PRP, e conquistou seu primeiro mandato como deputado federal. Quatro anos e três partidos depois, colando na popularidade de Bolsonaro, o mineiro de Belo Horizonte quase quadruplicou seu sufrágio.
Fechou o pleito com mais de 230 mil votos, tornando-se o deputado federal mais votado de Minas e ajudou a eleger mais cinco deputados pelo PSL mineiro.
Para viabilizar a candidatura de Bolsonaro em Minas, Álvaro Antônio teve que “criar” o PSL mineiro quase do zero. Por exemplo: a seção estadual do partido em Minas não tinha sequer uma página no Facebook até o início da gestão de Álvaro Antônio, em janeiro de 2018. Foi criada e é administrada até hoje por pessoas ligadas ao agora ministro.
Apoio de Bolsonaro
Em dezembro de 2017, Bolsonaro aparece num vídeo ao lado de Álvaro Antônio. À época, a ida do capitão da reserva do Exército para o PSL ainda nem tinha se concretizado — ele só “fechou” com o partido hoje comandado pelo deputado Luciano Bivar (PSL-PE) em 5 de janeiro de 2018. No dia da gravação, Bolsonaro e Álvaro Antônio ainda estavam negociando com o Patriotas.
“Alô amigos de Minas Gerais, estou com a Executiva Estadual aqui ao meu lado, representado pelo deputado Marcelo e demais companheiros. É com este time que nós pretendemos formar as Executivas Municipais e partir, juntos, nas eleições de 2018, para mudar o destino do Brasil”, diz Bolsonaro na gravação.
Em seguida, Álvaro Antônio apresenta as demais pessoas na sala. Entre elas estão seus ex-assessores Robertinho Soares e Haissander de Paula — os dois foram posteriormente implicados no escândalo dos laranjas.
Após a eleição presidencial, a escolha de Álvaro Antônio para o ministério do Turismo foi oficializada por Bolsonaro em 28 de novembro de 2018. Na época, foi vista como um gesto para atender ao PSL e a bancada de Minas, o que ele nega. O partido só tinha um ministro confirmado no novo governo, Gustavo Bebianno.
Seria também um aceno aos evangélicos — o ministro faz parte da Igreja Cristã Maranata há quase 20 anos.
“Eu considero que a indicação feita do meu nome para o ministério do Turismo não foi feita em função do PSL, minha indicação foi feita pela frente parlamentar em defesa do turismo. Portanto, não contempla nenhum partido e não contempla nenhum Estado”, disse Álvaro Antônio à época da indicação.
Deputado nunca apresentou nenhum projeto sobre turismo
Ao longo de seu primeiro mandato como deputado federal, o ministro apresentou 98 proposições legislativas — entre requerimentos, emendas a medidas provisórias, projetos de lei, etc. Nenhum deles foi aprovado — o que não chega a ser incomum para deputados de primeiro mandato.
Chama a atenção também o fato de que nenhuma das proposições do deputado contém as palavras “turismo” ou “turístico”.
Hoje com 46 anos de idade, Marcelo não tem nem Álvaro e nem Antônio em seu nome de registro. Batizado Marcelo Henrique Teixeira Dias, o ministro “herdou” o Álvaro Antônio de seu pai.
Este começou a carreira como vereador em Belo Horizonte pela Arena, o partido de sustentação da ditadura militar, nos anos 1970. Foi depois deputado estadual, vice-prefeito de Belo Horizonte e deputado federal. Morto em 2003, Álvaro Antônio Teixeira Dias é respeitado inclusive por adversários políticos de seu filho no Estado.
Assim como o pai, Marcelo Álvaro Antônio começou na política como vereador, cargo para o qual foi eleito em 2012, ainda pelo PRP. Desde aquela época, o ministro se elege pela região administrativa do Barreiro, uma área de classe média baixa com 282 mil habitantes no sul do município de Belo Horizonte.
Barreiro continuou muito importante na atuação política de Marcelo Álvaro Antônio mesmo durante seu mandato como deputado federal. De 22 intervenções do deputado na tribuna da Câmara em 2017, por exemplo, seis mencionam o local.
A região do Barreiro é tão importante para o ministro que foi mencionada por ele até durante a votação do impeachment de Dilma Rousseff, em abril de 2016.
“Senhor presidente, pela minha filha Amanda Dias, a minha filha Ana Clara, a minha esposa Janaína, pela minha mãe (…), quero fazer uma menção especial à minha região do Barreiro, à minha querida Belo Horizonte”, disse ele, na ocasião.